sábado, 18 de dezembro de 2010

Unidade Prata - última parte


UNIDADE PRATA

Aldomon Ferreira

Fiquei profundamente envolvido pelos meus próprios pensamentos: o estado em que o planeta Terra se encontrava era meu principal foco de atenção, conhecia toda a história daquela esfera azul que estava vendo em um dos monitores. Busquei em minha memória imortal as lembranças de um tempo longínquo que o passado fizera adormecer.

Houve um tempo em que não existia sequer uma gota de vida em toda a superfície. Nesta época a Terra ainda não era azul, ela mostrava aos que a vissem apenas uma paisagem sombria e tempestuosa, as crateras e montanhas rochosas davam-lhe o aspecto de mundo em estado de germinação. Ela permaneceu assim por um período incomensurável, até que o Conselho do Governo do Sistema Solar decidiu dar vida à superfície.

Foram enviados os cientistas da gênese para que, ao longo de várias fases, fossem semeados os seres dos vários reinos. Após um trabalho árduo, foram desenvolvidos os seres humanos primitivos. Aí a coisa ficou realmente difícil pois, para povoar o mundo físico, havia bilhões de seres astrais humanos que tinham sido expulsos de dezenas de planetas por causa de seus altos níveis de maldade.

Frotas de naves-prisões trouxeram à força tais seres para cá. Ao chegarem, uma das primeiras coisas que sentiram foi a síndrome de serem expulsos do paraíso, visto que os mundos aos quais pertenciam eram consideravelmente mais evoluídos, seja em tecnologia ou no grau de civilidade.

Como uma história sem fim, mais uma vez estava sendo efetuado o exílio temporário de certos seres para outros planetas.

A maioria dos habitantes do mundo físico sequer imagina a existência da conspiração interplanetária e que já há algum tempo se iniciara a purificação da Terra. Eu ansiava pelo tempo em que as barreiras dos mundos fossem transpostas pela humanidade terrestre, para com isto se iniciar o intercâmbio maciço com a Federação Galáctica. Que essa data tão memorável não se encontrasse distante do tempo em que eu estava vivendo.

No entanto, até que este dia chegue, muitas batalhas entre a luz e as trevas já terão acontecido.

Já no Cruzador, eu recolhera-me a meus aposentos.

Várias salas compunham meu complexo particular. Em uma ampla sala repleta de telas visuais, teclados, luzes e uma série de outros aparelhos, eu estava sentado em uma cadeira que, de tempos em tempos, circulava em várias direções no ambiente, levando-me até os aparelhos que eu desejava.

Naquele momento eu estava iniciando a programação de um tipo de andróide muito especial que eu havia inventado em minha missão anterior. Com o nome Cinertron, foi criado em um mundo de ciber-universo, também conhecido como universo eletrônico. Em comparação com os andróides mais avançados, Cinertron destacava-se em vários aspectos, mas um evidenciava-se com maior força: ele podia modificar a sua composição molecular, transformando-se em qualquer elemento que tivesse sido programado no computador cibernético.

Isto faz com que ele possa tomar qualquer forma que deseje. Por ser energicamente alimentado à distância pelo computador da nave, passa a ser praticamente inesgotável. Cinertron pode fundir-se com o corpo astral, transformando-o momentaneamente em andróide, contanto que este período não passe de poucas horas, pois o nível de energia é tão extremamente alto que pode provocar sobrecarga do implante, o que acarretaria o imediato desligamento do andróide.

Fui subitamente envolvido por uma forte saudade de Iara. Apertei alguns botões e seu rosto alegre surgiu em uma projeção holográfica diante dos meus olhos.

- Alderan, estou esperando há um bom tempo por sua ligação. Pensei que tinha esquecido do encontro que marcamos ! - Falou Iara com um suave sorriso no olhar.

- Realmente estou bastante atrasado. Contudo, por motivos não-intencionais. - Expliquei com naturalidade.

Num suspiro seu semblante tornou-se um pouco mais sério. Ela, então, exprimiu-se com segurança, como se estivesse lendo meus pensamentos:

- Mais uma batalha, não é?

Inclinei minha cabeça confirmado suas palavras. Por um breve instante pensei comigo mesmo: "- Se Iara fosse uma mulher da esfera terrestre, poderia até achar que seu interesse em saber onde eu estava tivesse como motivo uma ponta de ciúme. Mas, para seu nível evolutivo, seria praticamente impossível que sentisse tal emoção, ainda mais por ela estar ligada a seu corpo extraterrestre. O interesse mostrado por ela em saber o meu paradeiro nada mais era do que uma insaciável curiosidade a respeito das atividades da Unidade Prata. Iara sabia que, com nossa crescente intimidade, teria acesso a um profundo aprendizado nas áreas em que eu estava efetivamente atuando."

Novamente ela leu meus pensamentos e os achou engraçados pela comparação que fiz com a mulher terrestre, tanto que de seu olhar suave escapuliram alguns agradáveis sorrisos. Não tive dúvida: aqueles gestos que brilharam em sua face delatavam uma peculiar afinidade com minha natureza particular, que geralmente se mostrava tão cheia de mistérios, pelo fato de há milênios eu viver na condição de viajante interdimensional. Fitei-a com ar matreiro e falei, também com bom humor :

- Assim não vale! Você lê os meus pensamentos a todo momento! Como poderei ter segredos deste jeito?

Rimos por alguns instantes, carregados pela alegria. Enfim fomos à realização do que havíamos planejado: ainda naquela noite, iríamos ao local da base terrestre onde seria executada parte do treinamento da Unidade Canéra. Entretanto, em nossa visita, faríamos apenas uma vistoria das instalações para talvez percebermos a necessidade de alguma alteração, visando o máximo de eficiência no funcionamento dos equipamentos que seriam empregados, principalmente nas simulações bélicas.

Iara teleportou-se surgindo instantaneamente a meu lado. Ela estava acompanhada de mais oito mulheres, que por sinal pareciam-se muitíssimo. Porém a freqüência de suas vibrações individuais, como se digitais fossem, davam-lhes diferenças consideráveis no tocante a suas identidades pessoais, tornando-as inconfundíveis entre si para aqueles que saibam discernir vibrações.

Aparecemos a bordo de uma pequena nave do Cruzador, que nos levaria à base terrestre chamada Boreal do Sul, situada na sexta dimensão do universo astral. Diversas telas gráficas compunham o painel à nossa frente. Todos nós estávamos bem amarrados pelos cintos de segurança, que de forma alguma nos deixariam escapulir acidentalmente das confortáveis poltronas que, se vistas de um ângulo geral, mostravam ser de uma formação semicircular.

Taxiei o aparelho pelo amplo hangar que, no momento, estava abarrotado por centenas de naves. Flutuamos até uma das rampas de decolagem. Após registrar minha saída, parti velozmente pelo espaço. Viajar em aparelhos supervelozes tornava-se um hábito natural, mesmo estando eu com a identidade predominante de Aldomon, visto que para Alderan o uso das mais avançadas tecnologias não lhe parecia complexo ou mirabolante. Estas duas personalidades faziam parte de mim.

Enquanto pilotava atento aos controles, mergulhei por um breve tempo num silêncio reflexivo. Em minha tela mental foram surgindo as lembranças do início do contato que tive com minha personalidade mais evoluída. Não foi fácil harmonizá-la dentro de mim. Naquela época, tive uma singular sensação. No momento em que vi a Unidade Prata reunida na nave de Ashtar, foi despertada em mim, como que numa explosão, a memória imortal.

Logo depois que isto aconteceu, não conseguia compreender muito o ocorrido. Porém, com o passar do tempo, tive constantes fusões das duas identidades, que momentaneamente formavam uma só. Com isto decifrei a resposta: Aldomon nada mais era do que um esboço que fora mal traçado por Alderan que, não tendo material melhor às mãos, manifestou-se por meio de um corpo de carne e ossos, o qual sem dúvida não suportaria, em seu primitivo cérebro, mais do que uma ínfima fração da energia consciencial contida na mente de Alderan.

Escutei uma voz que tirou-me bruscamente das lembranças de outrora. Virei meu rosto para a direita, num reflexo de susto, pela mudança tão inesperada. Percebi que a voz telepática vinha de Iara, que interrompera minha abstração com uma pergunta, tendo que novamente repeti-la:

- Aldomon , você está sentindo alguma coisa?

- Não é nada demais, só estava pensando no motivo pelo qual sou chamado por um nome diferente de acordo com o estado mental em que me encontro.

Avistamos Boreal do Sul, plantada no centro de um imenso vale cercado por paredões de montanhas rochosas de um lado, e do outro por colinas cor de esmeralda, compostas por uma bela flora de frondosas árvores que quase arranhavam as nuvens de tão altas.

Notei à minha volta os olhares jubilosos das companheiras de Iara, que pareciam encantadas com a aprazível paisagem do lugar que faria parte do treinamento.

Sobrevoei o amplo prédio, que tinha apenas dois andares, mas que se estendia por milhares de metros, formando um imenso retângulo. Em seu teto estavam espalhadas estrategicamente várias baterias de canhões anti-aéreos pois, apesar de a sexta dimensão ser relativamente segura, eventualmente a base recebia ataques frustrados de exércitos negativos, que em sua maioria acabavam aprisionados e transmigrados para fora do planeta.

Pousei em um pátio ao lado de outras naves. Ao desembarcarmos, fomos recepcionados pelo diretor de Boreal, que já há algum tempo aguardava nossa chegada.

- Sejam todos bem-vindos ao campo de treinamentos Boreal do Sul. - Disse O quer, nosso anfitrião, que trazia um largo sorriso no semblante.

Em minha identidade de Alderan eu já o conhecia. No entanto, fiquei surpreso com a perfeita semelhança dele com um personagem de histórias chamado He-man. Numa fração de segundos questionei a mim mesmo sobre a hipótese de que grande parte das histórias criadas, tão originalmente por escritores de renome, nada mais eram do que ótimas idéias captadas de outros mundos através do inconsciente, e adaptadas pela criatividade e inteligência desses talentosos artesãos das palavras. O quer fitou-me por algum tempo e depois falou, em tom de brincadeira:

- Quem está aí dentro agora ? É o Aldomon ou o Alderan? Ah, já sei! Com certeza não é o Alderan; ele não tem muito senso de humor com minhas piadas. Deve ser por causa das preocupações advindas do peso das responsabilidades que ele carrega nos ombros.

Após as apresentações, fomos conduzidos para o interior da base. Entramos no núcleo das instalações. Corri meus olhos à nossa volta e avistei, nos limites do amplo pátio em que estávamos, vários corredores repletos de portas. Eles eram tão compridos que se perdiam de vista os seus finais.

O quer, percebendo meu olhar intrigado de questionamento a respeito daquelas tantas portas, explicou-me com naturalidade:

- Canéra utilizará apenas parte do nosso complexo, haja vista a sua extensão, e também pelo fato de várias Unidades estarem realizando seus treinamentos aqui.

De um dos corredores surgiu uma jovem mulher, que flutuava velozmente um pouco acima do chão. Ela aproximou-se discretamente de O quer e passou-lhe uma mensagem telepática, a qual não tive a ousadia de interceptar.

Nosso anfitrião fitou-nos por breves instantes, dando a impressão de estar tomando uma decisão, e então dirigiu-se a nós:

- Lamento não poder acompanhá-los até suas instalações, pois uma providência urgente necessita da minha ação imediata.

Tendo dito estas palavras, teleportou-se instantaneamente. Sua mensageira dirigiu-se a nós com explicações:

- O perímetro de segurança da base está sendo violado por uma pequena esquadrilha de naves inimigas, e neste caso é O quer quem lidera o sistema de defesa.

Em seu semblante um olhar de segurança denotava que tal fato não merecia nossa preocupação. A mulher de pele clara e longos cabelos castanhos brilhantes veio em minha direção, ainda flutuando, e com suavidade expressou-se:

- Aldomon, você pode mostrar para Iara e sua equipe as instalações destinadas ao treinamento?

Assenti com a cabeça. Feito isto, a jovem mensageira, rápida como um beija-flor, saiu por uma abertura no teto, deixando-nos a sós.

Enquanto andávamos por um corredor, elevei minha vibração, entrando em sintonia com a consciência do meu corpo extraterrestre. Em poucos momentos tomei a identidade de Alderan. Com isto vieram à minha memória todas as informações a respeito de Boreal e suas respectivas instalações.

Subitamente comecei a sentir algo. Era como se a visão fosse escurecendo, a audição desaparecendo; não conseguia mais me comunicar telepaticamente nem verbalmente. De súbito o chão pareceu sumir debaixo dos meus pés e eu caí num buraco escuro que parecia não ter fundo.

Olhava para cima - de lá vinha uma forte luz - e minha visão tornou-se clara, apesar de ainda continuar caindo. Vi lá no alto o corredor branco e luminoso em que Iara e sua equipe continuavam andando ao meu lado. Sim, eu ainda continuava lá, porém vestido em outro corpo astral, bem mais sutil e evoluído, no qual se manifestava a minha parte Alderan.

Um vento gélido que se sente em queda banhava meu corpo. Como um pára-quedista sem pára-quedas, eu me desesperei ( não com medo de chocar-me com um possível chão, mas sim com receio de ficar fora daquela história que viveria com minha querida Iara ).

Minha imagem evoluída tornava-se cada vez mais distante, eu gritava por ela e estendia a mão em sua direção, mas não conseguia emitir som algum... só meu pensamento produzia uma voz inaudível.

No entanto, Alderan pareceu escutar-me, podia jurar ter visto de relance o seu olhar em minha direção, mas foi inevitável: antes mesmo que ele pudesse fazer qualquer coisa para salvar-me, fui impotentemente tragado para meu escafandro físico.

Num salto de choque elétrico, acordei na cama do quarto do hotel, com o braço ainda estendido para o alto, pois ele não sabia que já tinha mudado de mundo. Movi lentamente meu corpo ainda deitado, fazendo estalar as juntas que pareciam enferrujadas, dando a impressão de há dias não serem usadas.

Com o corpo atordoado levantei-me preguiçosamente. Com os olhos vistoriei o ambiente, no intuito de identificar onde estava. Por fim, suspirei , e como um velho ranzinza resmunguei para mim mesmo: "- Nossa, eu ainda estou neste hotel." Tinha a sensação de estar há dias em transição dimensional, perdera quase que totalmente a noção de tempo e espaço.

Uma voz sonolenta soou no quarto ao lado, que se comunicava com o meu por meio de uma porta. Naquele momento estava aberta, o que possibilitava a transmissão do menor sussurro:

- Aldomon, você agora deu para falar sozinho? - Inquiriu meu amigo zombeteiro, que pelo visto acabara de acordar com meu barulho.

- Não, só estava conversando com um fantasma que passou por aqui. - Falei sério, depois pus as mãos na boca para sufocar o riso galhofeiro. Ele pareceu não entender minha resposta, pois adormeceu novamente.

Fui até a janela do quarto e, abrindo-a fitei, ao longe, o berço de montanhas, que ainda estavam cobertas por uma rarefeita neblina de cerração. Fui atingido por um vento frio que me gelou o rosto e provocou arrepiantes calafrios. Fechei a janela num reflexo de fuga e sentei-me na cama. Após enrolar-me em um caloroso cobertor de lã, em minha memória reavivei Boreal do Sul e minha saída tão intempestiva. Refleti: "-É... realmente eu não teria como vencer as duas forças, que para o meu próprio bem praticamente me obrigaram a acordar." Eu sabia que todas as vezes em que me tornara Alderan, o que possibilitava a transferência para o cérebro físico, da memória das coisas vividas naquele instante, era uma cota de fluxo consciencial bem delimitada. E quando eu estava em Boreal, tal cota já se tinha esgotado nas aventuras bélicas que me aconteceram naquela mesma viagem interdimensional. Assim sendo, teimara comigo mesmo em tentar burlar meus limites de memória, que já tinham até sido aumentados na operação do cristal. Mas a outra força, que também forçara a minha volta, era bem mais poderosa que a anterior, pois ela era o clamor do meu corpo de carne, o qual já estava totalmente enfraquecido por ter passado muitas horas sem ter sido realimentado pela energia vital que o corpo astral traz em si.

Com minha experiência milenar na habilidade de transição dimensional consciente, aprendi muitos artifícios para neutralizar os mecanismos de defesa da vida biológica do organismo físico: eventualmente passava uma venda em cerca de meia dúzia de instintos de sobrevivência e, com isso, ganhava um número maior de horas para estar em outros mundos. Apesar de quase sempre eu viver no fim dos meus limites dimensionais, tendo vez ou outra que levar fortes eletrochoques em meu corpo físico semimorto, tais descargas eram aplicadas pelos meus companheiros extraterrestres.

No entanto, não fugia à minha consciência a responsabilidade de deixar intacto um mecanismo biológico que diria ser o mais importante, pois se manifesta por meio da poderosa força que mantém ligado no corpo de carne o tênue cordão energético conhecido metaforicamente como cordão de prata. Só em condições previamente aprontadas é que receberia permissão do meu Eu Superior para romper tal ligação pois, se fizesse isso irresponsavelmente, seria suicídio - ato considerado pelas leis interdimensionais como gravíssimo crime contra si mesmo e cujas penas são suficientemente duras para desmotivar alguém que queira brincar com as leis da criação.

Respirei fundo, como que dizendo para mim mesmo: "- Ir até o máximo dos meus limites está bom, mas suicídio, nem pensar!" Sem perceber, caí no sono. Eis que sou acordado por uma voz apressada que falava com insistência:

- Você está pronto? Temos que partir já!

Levantei-me num pulo e me vesti apressado.

Não tardou e, em poucos momentos, o carro percorria a auto-estrada com destino a Brasília. Durante quase toda a viagem fiquei pensando no treinamento da Unidade Canéra. De forma alguma queria perder o desenrolar dos acontecimentos, pois sabia que, enquanto eu estava acordado ali no mundo físico, Alderan manifestava-se em meus, ou melhor, em seus corpos astrais mais sutis. Com isto, calculei que ele já havia iniciado os treinamentos.

Abri os olhos e identifiquei estar na pele de Alderan, só que desta vez estava mais de passageiro do que de piloto, sendo que minha mente só se fundira parcialmente, neste caso, a vontade de Alderan é que prevalecia.. Em minhas mãos trazia uma espada cuja lâmina sustentava logo acima das minhas costas com firmeza. Eu empurrava para longe a lâmina da espada de um guerreiro, que queria arrancar minha cabeça. Com destreza desviei o golpe fulminante e atingi meu oponente, que caiu no chão desmaiado.

Ao meu redor um ambiente escuro envolvido por uma densa fumaça malcheirosa compunha o cenário de uma batalha.

Surgiram, de direções inesperadas, guerreiros em armaduras pretas. Raios laser iluminavam o ambiente produzindo barulhos peculiares. Fui atingido por alguns que vieram não sei de onde. Entretanto, só produziram leves formigamentos na blindagem da armadura. Lutei usando técnicas demolidoras, a ponto de varrer do ambiente a escuridão provocada pela fumaça escura. Por fim, quando brilhavam no firmamento os raios do Sol, de súbito todo o ambiente desapareceu como que num toque de mágica.

Eu então percebi que estava numa câmara de simulação bélica. Saí por uma abertura que se fez visível. Ao sair do simulador, encontrei-me com Iara e mais oitenta mulheres que compunham sua nova equipe de combate. Ao aproximar-me de Iara, falei telepaticamente com voz metálica:

- Sua equipe terá que aprender não só a ciência e arte de guerra, mas também os princípios que as originaram.

Iara fitou-me com a face inquebrantavelmente séria, como a de uma guerreira pronta para a batalha, e com firmeza expressou-se:

- Na véspera da minha vinda aqui para a Terra, estudei os dados que me eram disponíveis, os quais continham a filosofia dos vários tipos de guerra. Porém, creio que só a prática me dará os elementos necessários para realizar a tarefa tão árdua que nos aguarda.

Num gesto de concordância, completei:

- Prática é o que mais terão em nossos treinamentos. No entanto, em primeiro lugar, vamos à teoria.

Ela assentiu com a cabeça e então caminhamos todos para o auditório, onde eu faria uma exposição.

Entramos no confortável anfiteatro, onde poltronas acolchoadas estavam organizadas em degraus crescentes diante de uma ampla tela visual, que se estendia por toda a parede à nossa frente.

Subi em uma pequena plataforma, disposta ao lado do telão. Acoplado à minha poltrona, havia um painel com uma pequena tela. Rapidamente peguei um minúsculo aparelho, em forma de losango. Elevando-o ao centro da minha testa, fiz surgir uma imagem no monitor do meu painel e o losango ficou magneticamente grudado em minha cabeça.

Fitei minha platéia com grave seriedade. Ao prender a atenção de todas, dei início à minha palestra :

- Para que se compreenda a natureza da guerra, é necessário antes de tudo focalizarmos as leis que regem os Raios da Criação. Com isto pode-se ter os referenciais das forças harmonizadoras e desarmonizadoras dos universos. Todas vocês sabem muito bem que em cada universo existe um ser supremo que o controla, como um deus, tendo todos os poderes sobre as galáxias, nebulosas enfim, abrange todos os mundos que compõem as fronteiras do seu universo, a fim de manter a suprema ordem de evolução dos seres que vivem na infinidade de mundos. Deus manifesta-se por meio da Hierarquia, que é realizada pelos senhores dos mundos, os quais utilizam-se dos Raios da Criação para manter sempre em equilíbrio as leis que controlam a evolução de cada mundo. O Raio de força agregadora que impulsiona a evolução dos seres para que se fundam com a consciência do Deus do universo é o amor. O mesmo amor que faz com que as minúsculas partículas se fundam para formarem o átomo, dando início a uma reação em cadeia, e em que a matéria vai fundindo-se e formando planetas, galáxias e universos do macrocosmo como também do microcosmo. É ele que permite que os planetas sejam ilusoriamente destruídos, para que se transformem em estrelas, havendo assim uma perfeita ordem por trás do caos. Com vigilância, permite que as forças desagregadoras provoquem a destruição, porém na dose certa. No entanto, as forças destrutivas do mal não possuem noção de limites, para poderem deixar facilmente de serem instrumentos das leis de ação e reação negativas, que infelizmente são necessárias para que todos os seres evoluam rumo ao Criador.

Silenciei minha telepatia, e por alguns momentos fitei uma por uma na arquibancada, sondando-lhes os pensamentos, para identificar as dúvidas. Olhei para o monitor à minha frente e fiz aparecer as imagens de algumas cenas que mostravam a história das guerras de um determinado planeta, que teve o triste fim de ser totalmente destruído por seus habitantes. Assim que as imagens desapareceram, falei com convicção:

- Nossa guerra não é esta, que destrói planetas e desrespeita as leis da criação. Pelo contrário: as batalhas de nossa guerra são exatamente contra os exércitos negativos, que não conhecem os limites do caos. Diferentemente deles, em nossas batalhas, quando somos obrigados a extinguir o inimigo, fazemos isso sem desrespeitar qualquer lei, pois recolhemos seus corpos mais sutis e o levamos para locais adequados a suas estadas; posteriormente lhes serão dados novos corpos físicos ou astrais e com o passar do tempo evoluirão de maneira tal que deixarão de ser negativos e destrutivos, passando a nossos amigos. Até mesmo eu, num passado muito distante, também já fui do lado negativo. Mas o que seria do amor se não fosse a justiça e, sendo o poder uma força neutra na Criação, a justiça utiliza-se do poder bélico para ser executada sem, contudo, desrespeitar os parâmetros de amor. Sendo assim, o guerreiro ou guerreira da Hierarquia deverá seguir o Raio do amor, da justiça, do poder, não lhe podendo faltar o do conhecimento. Os demais são complementos.

Durante toda a palestra eu expus todos os conhecimentos de que Canéra necessitava para ligar-se belicosamente à Hierarquia governante dos mundos interdimensionais.

Seguiram-se os dias e os treinamentos já estavam prestes a acabar. Quase não me dei conta de que tinha chegado a data da partida de Iara.

As estrelas do céu pareciam cair sobre a Terra em vôos rasantes. Raras foram as vezes que vi tantas naves juntas para uma só batalha como aquela que os meus olhos me mostravam: quase toda a Unidade Prata estava presente, juntamente com várias outras do comando Ashtar.

Do alto se via que meio continente estava sendo varrido das legiões de seres negativos. Ao capturarmos as entidades sombrias, as regiões que eram controladas por elas tinham todas as suas construções desintegradas. Em seguida eram instalados fios elétricos de alta tensão em cada Quadrante para dificultar possíveis invasões. Eu estava na frente do fogo a bordo de um caça. Fui alertado através do comunicador de que Iara e sua Unidade estavam partindo. Imediatamente fiz a nave transitar para a sexta dimensão, saindo assim da tenebrosa quarta .

Apareci nas claridades do universo mais sutil, e como um relâmpago cortei o céu de meio globo terrestre em busca de Boreal do Sul. Avistei os paredões da montanha da base e mesmo de longe percebi a presença de alguém muito querido de pé no topo de um dos cumes.

Ao ter uma visão em close, notei que Iara fitava o céu em minha direção, algumas centenas de metros nos separavam um do outro. Naquele momento um pensamento aterrorizante veio à minha mente: "- Eu posso estar de volta ao corpo físico a qualquer instante, pois meu tempo de permanência fora já acabou." Tomado por uma desesperadora ansiedade, abri a porta da nave e voei na direção de Iara. Eu quase podia ver o último grão de areia da ampulheta do meu tempo descer em câmara lenta.

Mas o tempo pareceu ter parado e pude abraçar aquele corpo de suavidade celestial. Com as mãos afaguei seus sedosos cabelos de ônix, num movimento carinhoso seu rosto tocou o meu e algo maravilhoso aconteceu: de cada poro dos nossos corpos saíam fagulhas de energias que pareciam ter inteligência própria. As que entravam em minha pele eram prateadas e saíam de Iara; as que saíam de mim e entravam nela eram douradas. Senti um êxtase tão forte e intenso que este infinito prazer só poderia ser comparado ao êxtase que tive quando experimentei a iluminação cósmica. Naquela fusão de amor, senti como se aquele estado fosse durar uma eternidade, mas eis que o tempo voltou a funcionar e meu grão de areia não mais existia. Com ele também se foi Iara, que pareceu desmaterializar-se entre os meus braços.

Quando dei por mim, estava acordado. Parecia que Iara levara com ela uma pequena parte de mim. Isto não me fazia falta, pois felizmente ela também deixara comigo parte de si. Tais dádivas que compartilhamos são imateriais e só nas lembranças e no coração ficam guardadas.

Voaram-se os meses. No mundo físico não mais se ouvia minha voz ecoar nos auditórios. Sentia-me triste, pois parecia ter sido abandonado por minha missão, que sequer dava vestígios de sua existência, ocultando-se de mim. Por mais que eu a buscasse fazia-se invisível.

Sentia uma melancólica saudade da vida que levava nos mundos físicos mais evoluídos. Isto fazia doer fortemente o meu peito, que quase estava morrendo de desencanto por não ter uma causa pela qual lutar no mundo material. Certo dia, quando fui assolado por uma terrível depressão por sentir-me inútil, fui socorrido por uma voz amiga e consoladora, envolvendo-me em ondas de ânimo hipnótico e arrebatador... Suavemente fui saindo do mundo de agonia.

Surgi em um ambiente iluminado por uma claridade tão intensa que eu só enxergava luz. Senti meu corpo: podia mover perfeitamente braços e pernas, mas não conseguia me ver. Era como se eu tivesse sido imergido na essência espiritual de algum ser muito evoluído, que naquele instante purificara-me de todos os pensamentos e sensações desagradáveis.

O ser de luz começou a comunicar-se comigo usando uma linguagem não-verbal. Não era telepatia, e sim um tipo de comunicação não-humana. Tive a impressão de que ele falava por meio das vibrações da essência da qual os pensamentos são feitos. Com sua estranha linguagem falou-me que ele sou eu, após ter saído do reino da evolução, e que meus passos estão sendo acompanhados por ele.

De súbito perdi os sentidos. Quando abri os olhos, dei um salto de espanto: o motivo do meu susto foi ter aparecido numa casa estranha. De pé, ao lado de um sofá, fitei toda a sala de estar e facilmente se percebia que pertencia a uma pequena mansão, cuja decoração era ultra-sofisticada.

De uma porta saiu um homem que mostrava um corpo de proporções hercúleas. Vestia um alinhado macacão inteiriço de cor azul índigo, botas pretas de design sofisticado. Parecia estar colocando um pequeno aparelho no pulso, em cima do tecido da sua vestimenta. Parou sobressaltado ao notar minha presença inesperada. De minha parte, estremeci de vergonha por ter invadido a casa de alguém, mesmo tendo sido de forma involuntária.

Por momentos o silêncio comandou o ambiente. O homenzarrão franziu a testa e cerrou as sobrancelhas, fitando-me como se quisesse ver através de mim. Eu, já de cabeça baixa, formulava em pensamento uma desculpa plausível para, em seguida, procurar a porta da rua. Argumentei comigo mesmo: "- E se ele pensar que entrei em sua casa com a intenção de roubar alguma coisa?" Afinal, ali havia muitos objetos de valor. Ouvi a sua voz de tenor pronunciando meu nome com tom de saudade e ao mesmo tempo de alegria. Perguntei surpreso e chocado:

- Como sabe quem eu sou?

- Como não saberia se você foi meu filho há muitas vidas atrás! - Falou ele, com um largo sorriso de contentamento.

Com ar bem-humorado continuou:

- Ah, como poderia esquecer-me de suas esquisitices?

Antes de mais nada, para me esclarecer, perguntei:

- Onde estou?

- Washington, Estados Unidos da América do Norte, ano 2510, 6 de janeiro!

Sentei no sofá para não cair de tão zonzo que fiquei. Em pensamento disse para mim mesmo: "- Nossa, viajei para o futuro!"

- Se estamos nos EUA, como você sabe falar meu idioma? - Inquiri.

- Entre outros, também sei falar português. Porém, estou falando por telepatia.

- Não acredito! Vi você mexendo os lábios.

Ele riu da minha suspeita.

- Mexi a boca por força do hábito !

- Em quinhentos anos os habitantes da Terra aprenderam a falar por telepatia? - Perguntei muito curioso.

- Não, sem aparelhos ainda não. Mas falta pouco para conseguirmos.

- Mas está falando agora comigo sem aparelho?

- Isto é natural quando estamos fora do corpo. - Falou ele com naturalidade.

Dei duas gargalhadas, rindo de mim mesmo.

- Até agora eu acreditava estarmos no mundo físico ! - Falei, satirizando a situação.

Ele também riu, pois já tinha percebido minha confusão, mas preferiu deixar que eu mesmo descobrisse.

- Meu nome é Dieijiom. Sei que seu tempo de transmissão de memória é limitado; portanto, vamos ganhar tempo.

Concordei prontamente, pois meu período ali seria realmente curto. Mas, desconfiado que sou, concentrei-me para ver se aquela pessoa era realmente quem dizia ser: vi a imagem do rosto do meu pai surgir no lugar do de Dieijiom; após constatar suas vibrações individuais, fui sem receio.

Segui-o até os fundos da mansão, lá encontrei três aparelhos parecidos com naves espaciais. Dieijiom explicou-me que apenas uma era espacial, as outras eram apenas aéreas, de uso popular.

Entramos na contraparte astral da que era espacial, decolamos para o céu daquela noite um pouco nublada.

- Você deve ser bem remunerado, hein? Para ter aquele casarão e estas naves...

- Até que sou, não tenho do que me queixar. Mas esta em que estamos é do governo, e estou com ela porque sou um piloto do sistema de defesa espacial. - Disse ele cheio de contentamento, quase que orgulhoso.

Ele, percebendo minha surpresa, elucidou o caso:

- Tive que trabalhar muito, vida após vida, para chegar aonde estou. Você teve importante papel para que eu tomasse este rumo !

- Tive! Mas como? Se a gente nem se dava lá muito bem. Apesar de vez ou outra ter havido um respeito mútuo, não havia quase nenhuma afinidade entre nós. - Falei intrigado.

Ele sorriu com tranqüilidade e meiguice, depois explicou-se:

- É, realmente, durante o tempo que vivi como seu pai no mundo físico naquela época, era como pedra bruta que ainda precisava ser lapidada: não tinha sensibilidade para compreender suas estranhezas. Porém, com o passar dos anos, mesmo sem entendê-lo, fui começando a mudar. Dentro de mim foi sendo formada uma dualidade, composta por quem eu queria deixar de ser e por aquele que eu vislumbrava tornar-me. Por tantas vezes eu tive tanta raiva de você, pois minha parte sombria sabia que sua influência acabaria matando-a para dar lugar a um Eu mais luminoso e evoluído. Como por osmose fui captando os princípios e idéias que foram paulatinamente fazendo uma revolução em meus arcaicos parâmetros de viver só por existir. Quando veio a morte, já tinha aprendido com você a lidar bem com a realidade extrafísica. No mundo astral fui submetido a várias cirurgias que ampliaram meu potencial intelectual. Por seu intermédio, comecei a trabalhar com os extraterrestres e em breve tempo fui engajando-me no trabalho espacial, e hoje aqui estou. Agora falemos sobre você: quer dizer que anda pensando que está jogado ao acaso? Saiba que sua missão será realizada.

Ao escutar aquelas palavras, inquiri fervorosamente:

- Qual a minha missão? Pois ainda não a descobri!

- Vou lhe contar agora. - Falou ele solenemente.

- Você já começou a realizá-la mas, por ela vir de uma forma muito natural - como é para o pássaro o ato de voar - você não a percebeu. Por isto eu é quem vou lhe perguntar: O que é que você sabe fazer de melhor lá no mundo físico?

Parei por um breve momento minha atenção naquela pergunta e falei logo em seguida:

- A primeira coisa em que acredito é que sou bom na habilidade de sair do corpo conscientemente. A segunda é a facilidade de pegar conhecimentos que aprendi em outras vidas, bem como minha relativa facilidade em expressar-me.

Ele sorriu seguramente e arremessou-me um simples enigma:

- São estas as ferramentas da sua missão!

Escutei um estalo, e num flash fui transportado, surgindo em seguida no Cruzador Triton. Enquanto andava por um dos corredores, eu lembrei-me de qual era minha missão. Pensei comigo mesmo: "- Como pude não deduzir antes que minha missão é ser mensageiro de outros mundos! É... realmente às vezes complicamos tanto as coisas mais simples."

À minha frente, avistei Ashtar próximo a uma janela, fitando ao longe o planeta Terra. Com minha aproximação, ele virou-se em minha direção e disse:

- Finalmente você descobriu!

Sorri jubiloso.

- São tantas coisas a se fazer! - Falei voluntário.

Ashtar olhou novamente para o Planeta e completou:

- E tão pouco tempo para concluí-las...

FIM.

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